O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu ampliar o foro por prerrogativa de função, nome técnico do foro privilegiado para deputados federais e senadores. Por 7 votos a 4, a Corte seguiu voto do relator, ministro Gilmar Mendes, para fixar que o processo de um político pode continuar na Corte mesmo após o fim do mandato.
Pelo entendimento, o foro privilegiado de um político fica mantido no STF se o crime tiver sido cometido durante o exercício da função de parlamentar. Essa é a regra válida atualmente. No caso de renúncia, não reeleição ou cassação, o processo será mantido na Corte.
A questão já dividiu a Corte algumas vezes e agora dirige-se para um novo entendimento, encerrado nesta terça-feira (11). O caso no STF, considerado um condutor da “segurança jurídica”, tem revelado — ao longo dos anos e em intervalos muito breves — uma preocupante instabilidade em sua jurisprudência relativa ao foro por prerrogativa de função.
Contrariando a expectativa de assegurar uma interpretação perene das leis e da Constituição, a Corte — em questões rumorosas que lhe tenham sido endereçadas ou, ainda, diante da perspectiva de ter de apreciá-las — tem reiteradamente mudado sua orientação, estado de coisas que gera inevitáveis questionamentos na comunidade jurídica, diante dos efeitos, sempre deletérios, da inconstância num tema de singular visibilidade.
Originalmente, o “foro privilegiado”, previsto em nosso ordenamento desde a Constituição do Império de 1824, foi criado com o legítimo propósito de proteger o cargo ou o mandato — e não seu detentor de per si —, evitando que determinadas “autoridades” fossem submetidas a segmentos jurisdicionais locais, hipoteticamente mais suscetíveis a pressões políticas, sociais e econômicas. Contudo, ao longo dos anos, o STF tem alterado sua interpretação sobre quem, quando e até quando deveria ter acesso a esse “benefício” (se é que assim pode ser chamado).
Entre 1964 e 1999, vigorou a Súmula 394 do STF, segundo a qual prevalecia a competência especial por prerrogativa de função para o crime cometido durante o exercício funcional, ainda que o inquérito ou a ação penal fossem iniciados depois da cessação daquele exercício. Com o cancelamento dessa Súmula — em julgamento protagonizado pelo ex-deputado federal Jabes Rabelo —, o STF excluiu as “ex-autoridades” de seu foro. Passaram a ser processadas e julgadas pelo juízo de primeiro grau.
Em 2002, uma alteração no Código de Processo Penal reinseriu as “ex-autoridades” no foro por prerrogativa de função. No entanto, menos de três anos após, o STF reconheceu a inconstitucionalidade do novo dispositivo legal.
Em 2018, o STF modificou novamente seu entendimento — desta vez em ação penal envolvendo o então deputado federal Marcos da Rocha Mendes, que assumiu o cargo em decorrência da cassação de Eduardo Cunha —, limitando o “foro privilegiado” aos fatos delitivos cometidos durante e em razão do cargo ou mandato, mantendo-o somente enquanto a autoridade o detivesse.
Agora, com o encerramento do julgamento iniciado em 2024, o STF ressuscitou entendimentos anteriores, formando maioria entre os ministros para que o foro por prerrogativa de função seja mantido mesmo depois de a autoridade cessar o exercício das funções. Apesar de os referidos julgados trazerem como protagonistas o senador Zequinha Marinho e a ex-senadora Rose de Freitas, sabe-se que seus efeitos nitidamente pavimentam a competência da Corte para casos em tramitação no STF, como o de Marielle Franco e os do ex-presidente Jair Bolsonaro.
O que se observa, ao longo dos anos, é um padrão de oscilação na jurisprudência do STF em relação ao “foro privilegiado” que parece atender pouco a um compromisso firme com a reclamada “segurança jurídica”, mas responder muito a variáveis não muito claras. Ao abraçar essa inconstância, a Corte acaba por automutilar a confiança em suas razões de decidir, deixando em si mesma cicatrizes cada vez mais visíveis, conforme destacou o advogado criminalista e professor de Direito Penal, Paulo Amador da Cunha Bueno, em um recente artigo publicado em O Globo.
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