
No dia 9 deste mês, a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria de votos, para aceitar a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra os deputados Josimar Maranhãozinho (PL-MA) e Pastor Gil (PL-MA), além do suplente Bosco Costa (PL-SE), por corrupção passiva e organização criminosa.
Ainda que o resultado fosse previsível, o recebimento da denúncia, no entanto, não implica em julgamento antecipado e nem conduz à conclusão sobre culpabilidade. Contudo, a instauração da ação penal indica que o processo criminal irá tramitar. Com isso, os acusados se tornam réus e têm a obrigação de responder às acusações apresentadas.
Dúvida e esclarecimento
Neste ponto, surge uma questão crucial para a opinião pública: os elementos informativos colhidos no inquérito podem ser utilizados para condenar?
O tema ganha destaque, porque como sabemos, a prova produzida durante o inquérito é feita sem a observância do contraditório, já que o inquérito tem a sua característica inquisitiva.
Assim, conforme o advogado criminalista Luiz Ricardo Flôres, a autoridade policial busca a prova de forma livre, sem que a defesa possa, muitas vezes acompanhar essa produção, muito menos intervir nela ou apresentar provas para contraditar o que foi produzido.
Em seu site, o especialista explica que o direito processual penal brasileiro adotou o sistema de apreciação da prova o do livre convencimento motivada ou persuasão racional, isso no art. 155 do CPP:
Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.
Neste ponto, o juiz é livre para tomar a sua decisão, contudo, deverá embasá-la nas provas existentes no processo de forma motivada e fundamental, sendo vedada a condenação amparada somente em provas produzidas na fase policial, uma vez que ausente o contraditório.
Assim, a regra geral prevista no CPP é no sentido de que o magistrado não pode condenar com base em provas produzidas somente na fase policial (provas constituídas de fonte pessoal).
Salvaguarda da liberdade
O ministro aposentado Celso de Mello, ex-presidente do STF, também defende essa tese. Segundo ele, “o processo penal só pode ser concebido como instrumento de salvaguarda da liberdade jurídica do réu”.
Esse argumento foi proferido por ele em junho de 2017, durante voto, na 2ª Turma, pela absolvição do então deputado Nilson Leitão (PSDB-MT) da acusação de superfaturamento e sobreposição de contratos.
Não serve para condenar
Na época, o magistrado explicou que, provas produzidas “unilateralmente pelos órgãos da acusação penal” não servem para o processo penal e não podem basear condenações. Como não passaram pelo contraditório, sempre estarão sob dúvida e, no sistema brasileiro, ela sempre beneficia o réu e nunca a acusação.
De acordo com Celso de Mello, o Ministério Público não produziu provas durante a ação penal e tentou aproveitar as provas do inquérito, que não passam pelo crivo da ampla defesa e do contraditório. Nem mesmo a Procuradoria-Geral da República, ao se manifestar no caso, concordou com a condenação do deputado, já que não havia provas.
A absolvição foi unânime, mas Celso divergiu do relator. O ministro Luiz Edson Fachin votou pela absolvição por causa da “existência de provas exibidas pela defesa” que mostraram a inocência do réu. Para o então decano, no entanto, foi o contrário: o Ministério Público é que “se desincumbiu” de seu dever constitucional de comprovar a culpa do deputado.
Segundo Mello, “a falta ou insuficiência de provas válidas e produzidas sob o princípio constitucional do contraditório invalida qualquer sentença condenatória, uma vez que o Ministério Público falhou em cumprir sua obrigação do ônus de comprovar a autoria e a materialidade do delito”.
Estado de inocência
O então ministro aproveitou seu voto para fazer uma defesa da presunção de inocência, princípio constitucional descrito no inciso LVII do artigo 5º da Constituição Federal: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Para Celso, o “estado de inocência” é “insuprimível direito fundamental de qualquer pessoa, que jamais se presumirá culpada em face de acusação penal contra ela formulada”.
Ferramenta de garantia
Na opinião do ex-decano do STF, o processo penal deve ser uma ferramenta de garantia de direitos fundamentais contra o poder do Estado, e não meio para dar legitimidade à acusação. O ministro cita lição de 1911 do professor João Mendes Júnior, que batiza a praça onde hoje fica o Fórum Central de São Paulo, de que “a persecução penal traduz atividade subordinada a limitações de ordem jurídica, tanto de natureza legal quanto de ordem constitucional, que restringem o poder do Estado”.
“Hipóteses e conjecturas”
Baseado nisso, a defesa do deputado Josimar Maranhãozinho declarou ao Supremo que as acusações da PGR contra o parlamentar se “mostram frágeis e desfundamentadas”.
Os advogados de Bosco Costa defenderam a rejeição da denúncia por falta de provas. A defesa afirmou ao Supremo que a acusação está baseada em “diálogos de terceiros e anotações manuscritas desconhecidas de Bosco”.
A defesa de Pastor Gil defendeu a ilegalidade das provas obtidas na investigação por entender que o caso deveria ter iniciado no STF, e não na Justiça Federal do Maranhão. Os advogados também acrescentaram que a denúncia é baseada em “hipóteses e conjecturas”.
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