“O que começou como uma distração se transformou em uma obsessão. Eu comecei a desviar dinheiro até das mensalidades da faculdade para jogar. O pior momento foi quando usei o dinheiro do remédio da minha filha para apostar em jogos de azar.” Assim começa o relato de Ana Gardênia (nome fictício), mãe solo de 32 anos, moradora do bairro Barramar, em São Luís do Maranhão.
Ana Gardênia conta que, no início, os joguinhos, acessados pelo celular, serviam para distrair da rotina cansativa de mãe solo, trabalhadora e estudante de Direito. “Eu não percebi o quanto estava sendo consumida”, relata.
O primeiro sinal de alerta foi quando começou a usar o dinheiro que serviria para pagar as mensalidades da faculdade para apostar nos jogos. “Na época, pensei que seria apenas uma fase e que em breve ganharia uma grande quantia que cobriria todas as despesas. Mas a sorte nunca estava do meu lado, e as perdas começaram a se acumular”, relembra.
Os vícios em jogos de azar frequentemente envolvem um nível elevado de ansiedade, transformando-se em uma adicção perigosa. Segundo o psicólogo Alexandro Cruz, professor do curso de Psicologia do Centro Universitário Estácio São Luís, a ansiedade relacionada ao jogo de azar pode ser comparada a um vício, já que a repetição do ato busca uma sensação de prazer. “A pessoa investe cada vez mais tempo e recursos financeiros, levando muitas vezes ao esgotamento de ambos”, afirma Cruz. Com o tempo, as responsabilidades cotidianas começam a ser afetadas como o trabalho, os estudos e a atenção à família.
Mas o verdadeiro sinal de que a situação estava fora de controle veio quando a saúde da filha de Gardênia, de apenas 10 anos, foi afetada. “Houve um momento específico que até hoje me atormenta. Minha filha estava doente e precisava de um medicamento caro que eu deveria ter comprado. Em vez disso, usei o dinheiro para tentar a sorte em um cassino online. A culpa e o remorso me consomem até hoje”, lamenta.
Crescimento em todo o Brasil
O vício em jogos de azar, conhecido como jogo patológico ou ludomania, é um transtorno sério que afeta profundamente a vida pessoal, profissional e social dos indivíduos. Esse transtorno tem lotado os consultórios de psicólogos em todo o país. Segundo dados do Ministério da Saúde, o número de atendimentos psicológicos realizados para pessoas com dependência em jogos de azar nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e na Atenção Primária à Saúde (APS) saltou de 108 para 1.290 entre 2018 e 2023, representando um aumento de 1.094%.
Pacientes com esse quadro só se dão conta do prejuízo quando chegam ao extremo da perda de qualidade de vida. “O vício em apostas pode inclusive colocar a vida do dependente em risco, porque muitos deles contraem dívidas com agiotas e, não conseguindo pagar essa dívida perigosa, são ameaçados de morte”, avalia o psicólogo.
Os sintomas comportamentais e emocionais do vício em jogos de azar incluem: preocupação excessiva com jogos; aumento da frequência e do tempo dedicado ao jogo; tentativas de recuperação de perdas financeiras; atos ilegais para financiar o vício; sentimentos de ansiedade, irritabilidade, depressão e desespero, relacionados às apostas online.
Intervenção e tratamento
Em São Luís, a acessibilidade aos jogos clandestinos agrava a situação. Jogos de aposta online são uma prática comum na cidade, e a popularidade crescente desses jogos intensifica o problema. “A busca por enriquecimento rápido e arriscado leva a pensamentos irracionais e à crença fantasiosa de que se pode vencer, aprisionando a pessoa em sua ansiedade”, alerta Cruz. A falta de campanhas educacionais e políticas públicas para combater essa prática contribui para o aumento dos casos de vício em jogos de azar.
Quando uma pessoa está sofrendo as consequências da perda financeira, como ansiedade generalizada e descontrolada, é crucial procurar ajuda. O primeiro passo é a intervenção psiquiátrica, com consulta a um especialista, que pode avaliar o tratamento da ansiedade e do vício sob o ponto de vista químico. “O tratamento é multifacetado e envolve uma equipe interdisciplinar. A psicoterapia, associada à psicofarmacologia, é essencial, além do apoio familiar e dos amigos”, afirma o psicólogo Alexandro Cruz.
Além disso, as políticas públicas também desempenham um papel importante. O tratamento em centros específicos para adicções (vícios), como os CAPS e clínicas particulares, oferece um ambiente de recuperação intensiva. “Essas instituições ajudam a pessoa a refletir, acompanhar e se instrumentalizar para lidar com a ansiedade e evitar recaídas futuras”, conclui o psicólogo.
A história de Ana é um lembrete de que o vício em jogos de azar pode destruir vidas, mas com apoio e tratamento adequado, é possível superar essa luta. Hoje, com o apoio familiar e a participação em grupos de apoio, Ana está determinada a ser uma mãe melhor e a reconstruir a confiança perdida em si própria. “Compartilho minha história para alertar sobre os perigos dos jogos de azar e encorajar a busca por ajuda”, finaliza.
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