Um artigo da advogada Verônica Bezerra, publicado em A Gazeta, do Espírito Santo, nesta segunda-feira (27/12), trouxe um retrato real do atual cenário e um alerta para mudança de atitude do cidadão no ano vindouro.

No texto, a causídica que é especialista em Direitos Humanos, diz que não podemos nos inebriar por falsos espumantes e esquecer a sede daqueles que vivem nos vazios.

Segundo ela, é impossível esperar um ano mais tranquilo quanto teremos que enfrentar o terceiro ano da pandemia com a combinação de surtos da gripe H3n2 e uma nova variante do Covid, associados a índices alarmantes de desemprego e pobreza, agravamento das crises institucionais e, ainda, eleições tensas e decisivas para sobrevivência da democracia e do Estado Democrático de Direito.

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Em cinco dias, mais um mês termina e outro começa. O diferencial, o que inclusive é o suficiente para causar o frisson no mundo inteiro, é o fato de coincidir com uma nova virada de ano. Um momento que dura segundos, mas que é tão preparado e, por muitos, esperado. Depositam toda a expectativa em um ano novo, como se tudo fosse mudar abruptamente. Esquecem-se que seremos os mesmos, não importa quantas ondas se salte ou a cor da roupa que use durante a virada.

É impossível esperar um ano mais tranquilo quanto teremos que enfrentar o terceiro ano da pandemia com a combinação de surtos da gripe H3n2 e uma nova variante do Covid, associados a índices alarmantes de desemprego e pobreza, agravamento das crises institucionais e, ainda, eleições tensas e decisivas para sobrevivência da democracia e do Estado Democrático de Direito. E o mais absurdo, ainda tentar compreender as programações de férias e carnaval, como se tudo estivesse às mil maravilhas.

O ano novo já começa velho e com os mesmos problemas, sendo impossível criar expectativas inclusivas. A celebração, que adquire roupagem egoísta e individualista, coroa a prática exclusiva producente de sofrimento e abismos.

A falta concreta de condições de vida material para muitos, que se encontram no locus da ausência de direitos e garantias, e por consequência, de perspectivas. Nas ausências de uma vida árida tentam tatear um pouco de sonho, mesmo com possibilidades remotas de concretização. Enfrentam um cotidiano de retrocessos. Buscam em sobras a realização do que deveria ser abundância. A tristeza da fome e escassez dói tanto na carne que o espírito permanece dormente.

Contudo, há também uma miríade de pessoas que, mesmo com condições materiais favoráveis, seguem disfarçando a infelicidade com vernizes de uma vida sem essência. Simulacros de sentimentos que estampam as redes sociais, em uma tentativa louca de fazer as coisas darem certo. As casas não são lares, sempre super projetadas, e se revelam ambientes pasteurizados e frios. Os objetos de decoração com estilo são carentes de história. A educação dos filhos, terceirizada e robotizada, substitui as dificuldades que compõem as memórias da travessia. Representam na vida e desempenham papéis para atender a cobrança de um modelo societário conservador e contratualista insosso, ao invés de entregar-se a uma vida com sabor de quero mais.

Os leitores pensarão quão pessimista esse editor. Não podemos nos inebriar por falsos espumantes e esquecer a sede daqueles que vivem nos vazios, sejam materiais ou existenciais. Nesse sentido a gravidade, mesmo que adquira matizes diferenciados, produz algo semelhante, a dor e o sofrimento. O que é preciso é ter um realismo cuidadoso, que seja atento à vida que pulsa, que lambuza, que bagunça os sentimentos e que deixa nossa anatomia louca, e que não desconsidera o entorno. É impossível ser feliz se os outros estão em sofrimento ou com propostas cartesianas. Um ano novo não precisa estar no calendário, mas nas atitudes.

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