Aquele era um domingo qualquer.

Afinal, no domingo anterior, tínhamos feito a festa da democracia, com a posse de um novo presidente, rompendo com o ciclo anterior, feito de negacionismo, isolamento internacional e violação dos valores democráticos.

Experimentávamos o recomeço e tínhamos a certeza de que não ouviríamos mais nem o “não sou coveiro” nem as imitações grotescas de pessoas sem ar como assistimos, perplexos, nos tempos da pandemia da Covid, que também já tinha ido embora.

A vida voltava à normalidade, embora pessoas se aglomerassem em frente aos quartéis, acenassem com celulares para seres extraterrestres pedindo apoio para intervenção na vida política nacional, rezassem para pneus e bloqueassem vias públicas, inconformadas com o resultado eleitoral, que aceitariam se lhes fosse favorável.

Existiam manifestações e marchas em direção a Brasília, as quais não dávamos a importância devida. Tínhamos derrotado nas urnas a direita e estávamos firmes na crença – e claramente iludidos, como logo veríamos – de que o tempo derrubaria o inconformismo daqueles poucos.

Não, aquele não foi um domingo qualquer. Eu estava em casa quando tomei um susto. As pessoas marchavam sobre a Praça dos Três Poderes, invadiam o Palácio do Planalto, o Congresso e o Supremo Tribunal Federal, sem qualquer resistência, contando com a omissão cúmplice dos que deveriam zelar pela manutenção da ordem.

Milhares de pessoas marchando na capital federal, com palavras de ordem contra o governo legitimamente eleito, contra o Poder Legislativo, contra o Supremo Tribunal Federal e nenhum acompanhamento efetivo das forças de segurança.

As imagens nos chocaram a todos.

O Senado e Câmara invadidos, quebrados, destruídos. O Palácio do Planalto também. O Supremo Tribunal, garantidor das liberdades públicas, ultrajado.

O país assustado, sem que se ouvisse a voz da sociedade civil, que de há muito não se afirmava no cenário nacional. Alguns clamavam por decreto que permitisse convocar as Forças Armadas para intervir no Distrito Federal, ou seja, uma GLO (garantia da Lei e Ordem).

Sabiamente, o presidente Lula não aceitou adotar a medida que, se adotada, poderia ser a porta aberta para a concretização do golpe.

Os invasores, os que destruíam a Praça dos Três Poderes, os locais da república, os símbolos

do poder nacional, não eram simplesmente pessoas inconformadas.

É possível que alguns entre eles, sim, não tivessem a exata consciência da ação. É possível.

Mas não é possível reduzir o que aconteceu no 8 de janeiro de 2023 a uma aventura de algumas pessoas inconformadas com o resultado eleitoral.

Foram os golpistas de 8 de janeiro a ponta de lança de um movimento orquestrado para golpear a democracia.

Felizmente, soubemos reagir e o movimento golpista não encontrou eco. O golpe, sabemos todos, foi desmontado, e os que estavam no ataque ao STF, ao Congresso e ao Palácio, presos. Alguns já começaram a ser julgados e condenados.

A conciliação tem sido a marca dessa “terra brasilis”. Com o fim da ditadura, os torturadores, aqueles que praticaram crimes contra a humanidade, não foram punidos. Esse equívoco não pode se repetir. Por isso, é preciso aprofundar as investigações, apurar mais e mais e chegar até aqueles que moveram os cordões e instrumentalizaram os terroristas que, atentando contra o Palácio do Planalto, o Senado, a Câmara e o Supremo Tribunal Federal, iniciaram o golpe que não se concretizou pela falta de apoio.

O golpe foi derrotado, mas é preciso que a democracia seja uma conquista. Afinal, “Não me peças sorrisos/ que ainda transpiro / os ais / dos feridos nas batalhas.” (Agostinho Neto – “Certeza”).

Artigo do advogado criminalista Homero Mafra, diretor nacional da Abracrim e ex-presidente da OAB-ES, publicado originalmente pelo site A Gazeta.

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