A autorização para que se institua uma política de cashback de imposto — possibilidade aprovada após a promulgação da reforma tributária pelo Congresso no final do ano passado — ainda é uma incógnita e registra poucos antecedentes mundo afora, mas pode ser uma alternativa às desonerações e isenções de impostos para determinados setores da economia, além de uma política eficiente de justiça social.
No campo da arrecadação, do ponto de vista do Estado, a possibilidade de devolução após o dinheiro entrar nos cofres públicos é mais benéfica, ainda que não se saiba em que proporção (e sobre quais classes) isso poderia ocorrer.
Essa é a perspectiva de advogados tributaristas entrevistados pela revista eletrônica Consultor Jurídico sobre a eficácia de um possível sistema de cashback tributário. Ainda que a normativa não esteja inclusa na reforma tributária promulgada pelos parlamentares, a norma permitiu que uma lei sobre o tema seja editada para regulamentar o instituto.
O mecanismo é recorrente em setores como os de varejo e serviços, e, segundo seus adeptos, estimula as compras e a circulação do dinheiro dentro de uma determinada empresa ou conjunto de empresas, posto que o valor devolvido ao consumidor deve ser gasto, em geral, na mesma companhia ou em parceiras.
A relevância do tema tem relação com o principal mote econômico do terceiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT): o aumento da arrecadação. Boa parte dos incentivos econômicos estão atrelados a políticas de isenção, como no caso da desoneração da folha de pagamentos, o que implica necessariamente em menor valor arrecadado pela União. O cashback, dizem os especialistas consultados, poderia reverter essa lógica.
“É diferente dar o dinheiro de volta do que fazer uma isenção de alíquota. O cashback é algo mais difícil de se implementar do que a mera redução das alíquotas. Mas tem a grande vantagem de você ter um efeito orçamentário menos prejudicial para quem arrecada”, diz Matheus Bueno, do Bueno Tax Lawyers.
Para o advogado, ainda há o fator das políticas tributárias de estados e municípios, entes que também devem entrar nesse organograma e apoiar a proposta de cashback para que ela seja regulamentada. Sem seus apoios, a proposta dificilmente sairá do papel. “[A medida] vai depender dos estados e municípios embarcarem juntos. Porque não é só verba federal. Você tem que pegar a arrecadação de IBS (que essencialmente onera os produtos e serviços) e dizer que, se houve essa tributação, tem que devolver para as pessoas”, argumenta.
Maria Carolina Sampaio, head da área tributária e sócia do GVM Advogados, afirma que, caso não seja bem estruturada e aplicada em um sistema eficiente de contribuição, a proposta de cashback tributário pode aumentar as alíquotas, tendo em vista que o Estado deverá devolver determinado valor para os contribuintes ou para as empresas.
“O mecanismo do cashback é dos instrumentos mais eficientes, segundo alguns estudos, de política tributária social. Contudo, pode acabar acarretando em um aumento da carga. Como o governo deverá devolver valores arrecadados, se não trabalhar com eficiência, pode acabar devolvendo este custo aos contribuintes.”
O mesmo desafio pode ser observado em pontos que ainda estão nebulosos após a aprovação da reforma, como a tributação de patrimônio e o Imposto Seletivo — tributo que deve ser regulamentado para incidir sobre produtos que causam malefícios à saúde.
Prazos e devoluções
Ainda que seja estabelecida a normativa sobre cashback — que deverá ser regulamentada por Lei Complementar — o Estado deverá estipular prazos, condições e outros detalhes sobre as devoluções dos valores. Este é um dos pontos complexos que precisam ser sanados, diz Guilherme Saraiva Grava, do Diamantino Advogados Associados. A proposta estudada hoje tem mais relação com devolução de impostos aos mais pobres, para fins de justiça social, do que de substituição da isenção de impostos, diz o advogado.
“Alguns países, sobretudo na Europa, que adotam um sistema semelhante, usam o cashback como uma forma de incentivar determinadas regiões ou setores da economia. Nesses casos, em geral, estrangeiros não residentes podem formalizar um pedido para receber de volta o imposto incidente em suas compras. No caso brasileiro, a proposta é diferente porque o cashback visaria combater desigualdades sociais. É um sistema que se assemelha ao que acontece hoje na Bolívia e no Uruguai, por exemplo.”
Grava diz ainda que o governo teria o desafio de definir “critérios sobre os beneficiários, com limites sobre os valores a serem devolvidos e definição de quais itens gerariam reembolso.”
“Igualmente desafiadora seria a tarefa de definir prazos e formas de devolução, considerando que as camadas mais vulneráveis da população têm menos acesso ao sistema bancário e à internet, além de necessitar de uma rápida devolução dos valores sujeitos à restituição”, diz o tributarista. “Atualmente, as incertezas são tantas que a viabilidade do sistema se torna uma enorme incógnita”, sentencia.
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