Um artigo publicado pela Revista Consultor Jurídico, no último dia 21 de maio de 2022, joga luz sobre a prática do ensino domiciliar, conhecida como “homeschooling”
Assinado pelo advogado Pedro T. Manfrim, o texto questiona se a prática é legal? Além disso, a publicação complementa destacando que a dúvida é um indicativo da polêmica jurídica.
Em sua abordagem, o causídico argumenta que, atualmente, a educação domiciliar está em evidência na opinião pública. Ele aponta que o Projeto de Lei n° 2.401/19 que regulamenta o “homeschooling”, formulado pelo governo federal, está aprovado na Camara dos Deputados, após consenso inédito entre os deputados, na última quinta-feira (19/5). No entanto, ficará restando tramitação no Senado e posterior sanção presidencial. Mas o sinal dado pelos deputados, na última semana, foi claro.
E por aqui começo a questão.
Pergunto, como é possível os deputados aprovarem um projeto de lei que trate de matéria inconstitucional ou ilegal? Não é. A constitucionalidade é questão de ordem primordial, e pode ser suscitada a qualquer momento. E não há indício dela no caso quando se considera questões elementares da nossa ordem atual.
Por ordem de relevância, temos três elementos essenciais: texto constitucional, jurisprudência do STF e movimentação legislativa.
O primeiro possui a maior importância.
Atualmente, a nossa inchada Constituição não se restringe aos seus 250 artigos. E mesmo neles, há afirmação (artigo 205) de que o dever de prover educação às crianças é conjunto entre estado e família.
Contudo, desde a promulgação em 1988, já contamos 106 emendas a esta mesma Constituição. E por causa de alguns princípios de nosso sistema constitucional, os tratados internacionais que o brasil assine e que tenham como objeto direitos humanos, são integrados ao nosso ordenamento com status supralegal via emendas à constituição.
Note-se, que o brasil assinou nas últimas décadas, pelo menos, quatro acordos internacionais relevantes sobre direitos da infância, educação e afins. Destaco apenas um: a Convenção sobre os Direitos das Crianças (1990), pois nele há uma passagem luminar:
“(…) Caberá aos pais, ou quando for o caso, aos representantes legais, a responsabilidade primordial pela educação e pelo desenvolvimento da criança” (BRASIL, 1990).
Em última análise, essa convenção faz parte da nossa Constituição. Ora, a Carta Magna está acima de todas as outras leis no Brasil, logo, conclui-se que o direito dos pais escolherem a melhor forma de educarem seus filhos está amparada na maior das leis no país.
Além disso, temos a recente pronúncia do STF sobre o assunto.
Em 2018, o supremo julgou um mandado de segurança impetrado por uma família do interior do Rio Grande do Sul pedindo reconhecimento de liquidez e certeza do seu direito à prática da educação domiciliar.
Na ocasião, o supremo afirmou que acima corroboramos: a educação domiciliar é constitucional. Entretanto, em diversas passagens da decisão estavam presentes algumas máculas indevidas contra a prática, que são propagadas em todo o país pelos adversários da modalidade. Falou-se em ilegalidade da prática, em prejuízos a formação do estudante, entre outros. Ao final, foi afirmada a necessidade do poder legislativo formular lei regulamentadora da atividade.
Entretanto, a afirmação de constitucionalidade foi feita, e esse foi o maior trunfo.
Por fim, reconsidere-se a recente movimentação legislativa aduzida no início deste artigo. E retomo a questão: como é possível os deputados aprovarem um projeto de lei que trate de matéria inconstitucional ou ilegal? Resposta óbvia, não é possível.
Todavia, o que o autor destas linhas tem testemunhado como defensor de famílias que são objeto de denúncias feitas por escolas, parentes e colegas contra as famílias, é chocante. Fazem-o por causa destas estarem simplesmente exercendo este direito constitucional aos seus filhos, sob o pretexto de configuração do crime de abandono intelectual (artigo 246, CP).
O que mais impressiona é o crédito dado por autoridades diversas à essas denúncias. E demonstra um indicativo claro de que há muito o que avançar no que diz respeito a superação dos paradigmas educacionais no Brasil. Mesmo com o surgimento de lei regulamentadora, a mentalidade não dá sinais de evolução.
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