Saiba como alguns benefícios criados pela prefeitura fortaleceram a máfia do transporte

O prefeito de São Luís, Eduardo Braide (Podemos), resolveu falar sobre a greve dos rodoviários que já dura cinco dias. Em uma entrevista ao quadro Bastidores, do Bom Dia Mirante, Braide rechaçou a possibilidade de aumento de tarifa, embora tenha confessado que o reajuste anual dos preços das passagens tem previsão no contrato de licitação do setor.

No bate-papo com o jornalista Clovis Cabalau, o prefeito ludovicense disse que vai propor a criação de um auxílio para o setor como forma de mitigar perdas neste momento. A proposta, entretanto, é apenas mais uma das que já beneficiam o grupo criminoso instalado há décadas no sistema de transporte público da capital maranhense.

Desde 2012 existe suspeita de um suposto envolvimento de representantes da máquina estatal com o esquema criminoso, período em que a capital era administrada pelo saudoso prefeito João Castelo (PSDB). Na época, as denúncias vieram à tona com a sanção da Lei Complementar nº 04, de 26 de dezembro de 2012, que concedeu redução da alíquota de 5% para 1% do ISS aos serviços realizados pelas empresas de transporte coletivo de passageiro.

Lei municipal beneficia empresários de transporte com alíquotas de 1% do ISS, previsão mínima da legislação federal é de 2%

Digamos que antes da vigência da norma, uma empresa que atuava no sistema de transporte, tivesse que pagar R$ 50 mil de impostos municipais, mas com o advento da lei municipal, a viação passou a pagar apenas R$ 1 mil. Ora, se de R$ 50 mil, a empresa paga apenas R$ 1 mil, isso quer dizer que ela passou a ter um lucro de R$ 49 mil.

A regra gerou polêmica, mas o prefeito Edivaldo Júnior (PSD), sucessor do tucano, nada fez para tirar os ‘privilégios’ dos ‘magnatas’ do transporte. Em 2014, já na gestão de Edivaldo, o escândalo da vez foi a descoberta de uma empresa ligada à máfia do setor atuando dentro da Secretaria Municipal de Transito e Transporte (SMTT).

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Naquele período, o caso foi abordado durante a sessão plenária da Câmara Municipal, quando o então vereador Fábio Câmara apresentou contratos, no valor de R$ 1.318.922,40, que estariam sendo pagos pela Prefeitura de São Luís para uma empresa que nunca funcionou no endereço informado à Receita Federal.

De acordo com as denúncias, a Consulttrans-Consultoria Especializada Ltda., teria sido contratada para apoio técnico, logístico, assessoramento, supervisão, apoio administrativo, consultoria e execução de projetos da SMTT – para o Sistema Integrado de Transportes (SIT).

Extrato do contrato da empresa que atuava na própria SMTT

O acordo, sob o regime de ‘empreitada’, por preço unitário, foi assinado no dia 22 de março de 2012 ainda na gestão tucana, mas foi mantido pela administração pedetista através de um aditivo, assinado no dia 02 de abril de 2013, pela ex-secretária Myrian Aguiar.

A situação ficou ainda mais complicada quando se procurou a empresa no endereço que aparece no Convite nº 003/2013/CPL/PMSL. No lugar onde a Consulttrans estava registrada, funcionava a residência do senhor Manoel Cruz Júnior, que seria o proprietário da empresa, conforme constatou o parlamentar.

O local ficava no Jardim Eldorado, área nobre de São Luís, nº 12, quadra 21, da Rua Coronel Paiva, mas ninguém nunca ouviu falar da empresa por lá.

Fabio, que era presidente da Comissão de Transporte da Câmara, ficou mais surpreso ainda quando entrou em contato com o telefone fornecido pela empresa, disponível no próprio Convite nº 003/2013. O número era da sala da Gerência de Transporte da SMTT.

Surpresa maior, foi quando a secretária transferiu a chamada para a sala de Manoel Cruz que, apesar de não ter nomeação na pasta, ocupava o cargo de gerente do Sistema Integrado de Transportes. Ou seja, ficou mais do que claro a atuação do braço na máfia dentro da estatal.

Esquema do crédito vencido

Além de ser beneficiada com uma alíquota abaixo do mínimo da legislação federal e de atuar dentro de um órgão usando a estrutura pública, a máfia do transporte queria mais: resolveu agir para ‘meter a mão no bolso’ do trabalhador. Para isso, criou as condições necessárias para faturar com sobras dos cartões de vale transporte.

Em março deste ano, cheguei a abordar o assunto mostrando que o crédito não volta para o bolso do usuário, nem para quem compra as passagens diretamente, nem para quem dispensa 6% do seu salário para adquiri-las por meio de seus empregadores.

Na época, documentos e planilhas aos quais tivemos acesso mostram que o total de créditos expirados no período passam dos R$ 10 milhões, levando em conta apenas os dados relacionados a partir de 2016, ano em que foi realizada a licitação do transporte público. A Dataprom, empresa que administra o SBE (Sistema de Bilhetagem Eletrônica), não informa os valores expirados dos créditos de vales-transportes.

São Luís ficou refém dos ônibus

Ao propor a criação de um auxílio para o setor como forma de mitigar perdas neste momento, Braide acaba beneficiando, pela segunda vez, em menos de sete meses, os empresários de transporte.

Em março, por exemplo, o prefeito de São Luís já tinha vetado um Projeto de Lei nº 096/19 de autoria do vereador Astro de Ogum (PCdoB), que visava regulamentar o Sistema de Transporte Ferroviário Municipal de Passageiros – STFP.

O principal objetivo da proposta, aprovada pela Câmara Municipal no ano passado, era possibilitar a chegada de novos modais trazendo benefícios ao meio ambiente e mais mobilidade para a população ludovicense. Além de impedir que haja novas opções de transporte de massa, o veto governamental foi um indício de que o chefe do executivo estaria como refém dos empresários do ramo do transporte coletivo. Afinal, não se pode falar em mobilidade, levando em consideração somente o ônibus.

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