A adoção de malabarismos contábeis em que se baseou o pedido de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, não é exclusividade apenas do governo federal. O blog do Isaías Rocha analisou o balanço das contas da Prefeitura de São Luís referente ao segundo quadrimestre de 2022, e concluiu que, na interpretação geral do conceito, o prefeito Eduardo Braide (sem partido) teria praticado “pedaladas fiscais”.
Por não se tratar de um termo técnico, é difícil cravar o que é ou não uma pedalada fiscal. De forma geral, de acordo com especialistas, pedaladas fiscais são operações atípicas, não previstas na legislação, utilizadas para maquiar o balanço contábil ou esconder o ‘estouro’ [ou déficit] das contas públicas.
Nos documentos oficiais examinados pelo blog foram encontrados três tipos desses mecanismos: a abertura de créditos adicionais de forma irregular, a maquiagem da meta fiscal e a subestimação de R$ 400 milhões no orçamento, conforme análise da Lei Orçamentária Anual (LOA), que estimou a receita e fixou a despesa do Município em 2022 no valor de R$ 3,6 bilhões.
R$ 15 mi em créditos adicionais
O problema é que a bolada do orçamento “estourou” e passou a deixar Braide perigosamente fora dos limites da lei de responsabilidade fiscal. Com previsão subestimada, o prefeito teve de publicar decretos à revelia do legislativo abrindo mais de R$ 15 milhões em créditos adicionais para diversos órgãos da administração pública. As normas foram publicadas no Diário Oficial do Município (DOM) entre junho e julho.
A maior parte da dotação é liberada por meio do Decreto nº 58.052, de 06 de julho de 2022. São R$ 10 milhões em crédito suplementar para reforço de dotação constante da Lei Orçamentária vigente, enviada ao Legislativo em 2021 com uma previsão abaixo do que deveria.
Braide publicou ainda o Decreto n.º 57.895, de 07 de junho de 2022, que abre crédito extra de R$ 4.495.888,58 (quatro milhões, quatrocentos e noventa e cinco mil, oitocentos e oitenta e oito reais e cinquenta e oito centavos) visando um reforço no orçamento. Além destes, vários outros foram publicados no Diário Oficial.
As chamadas pedaladas fiscais e os decretos de suplementação sem prévia autorização legislativa violam as normas de Direito Financeiro do país e se caracterizam como condutas típicas de crime de responsabilidade, segundo o professor de Direito Financeiro, José Maurício Conti, um dos três especialistas favoráveis ao processo de impedimento da ex-presidente Dilma, ouvido na época pela Comissão Especial do Impeachment.
“Essas condutas reprováveis praticadas nos últimos anos não podem prevalecer. É preciso não deixar dúvida que as normas de finanças públicas estão aí para serem cumpridas e que as consequências de suas violações são graves. Essa é uma oportunidade que não se pode perder para se recuperar a credibilidade, a segurança jurídica e a responsabilidade fiscal, sem as quais não se pode governar”, argumentou.
Conti salientou que a Lei de Responsabilidade Fiscal permitiu um grande avanço em matéria de finanças públicas, obrigando os administradores a manter uma gestão fiscal responsável. Porém, segundo ele, esse avanço começou a retroceder nos últimos anos, especialmente a partir do final de 2012, quando surgiram de forma mais intensa notícias a respeito de “maquiagem” nas contas públicas federais.
Crimes de responsabilidade
O professor observou que a Lei de Responsabilidade Fiscal se limitou a prever sanções de natureza institucional, aplicadas aos entes da federação, “o que se vislumbrou insuficiente, ineficiente e até mesmo injusto, por punir diretamente o ente da federação e, por consequência, a população que o integra”. Por isso, ele disse que o sistema de sanções foi posteriormente complementado, inclusive com a inclusão de novas condutas na lei que tipifica os crimes de responsabilidade.
O que diz a legislação?
A suplementação orçamentária, resumidamente, consiste na autorização da realização de despesas não computadas ou insuficientemente dotadas na Lei Orçamentária Anual (LOA). Prevista na Lei nº 4.320/64, que estatui normas gerais de Direitos Financeiro para elaboração e controle dos orçamentos da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, a suplementação é uma modalidade de crédito adicional. Créditos adicionais, por sua vez, são autorizações de despesa não computadas ou insuficientemente dotadas na LOA.
O crédito adicional é destinado a reforço de dotação orçamentária, sendo autorizado por lei. A Constituição permite que a LOA contenha autorização para a abertura de créditos suplementares, dentro de certos limites, conforme aduz a Constituição Federal, nos arts. 165, § 8º, e 167, V; e Lei nº 4.320/1964, art. 41, I.
A abertura dos créditos adicionais surge em três situações:
– quando o orçamento aprovado para executar determinada despesa na lei orçamentária municipal precisa ser reforçado porque o valor aprovado inicialmente foi insuficiente (suplementares), como é o caso envolvendo a gestão do atual prefeito de São Luís;
– quando determinada despesa não foi prevista no orçamento municipal, mas precisa ser executada (especiais);
– e na iminência de despesas urgentes e imprevistas – portanto, além de não estarem previstas, requerem urgência na sua execução (extraordinários).
Dependendo do tipo de crédito adicional, algumas exigências devem ser observadas. No caso dos créditos suplementares e especiais: devem ter autorização prévia do Legislativo municipal, se forem abertos por projeto de lei, ambos com indicação prévia da fonte de recursos.
Prefeito se baseou em quê?
Para editar as normas à revelia do Legislativo, Braide usou suas atribuições baseadas no disposto nos Arts. 4º, inciso 1 e 5°, inciso 1 da Lei n° 6.949, de 30 de dezembro de 2021 e Art. 26, § 2° do Decreto n° 57.506, de 06 de janeiro de 2022.
O problema é que além da violação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) através da maquiagem das contas públicas para forjar o cumprimento das metas fiscais do governo, o prefeito teria subestimado o orçamento em R$ 400 milhões, conforme revelamos em dezembro do ano passado.
Na época, destacamos que através da aprovação irregular da Lei Orçamentária Anual (LOA), existia uma suspeita de que o Executivo municipal teria buscado margem de remanejamento de recursos sem permissão do Legislativo.
Orçamento subestimado
Com base em levantamento realizado junto ao Tribunal de Contas do Estado (TCE) descobrimos que a LOA de 2022, que estima a receita e fixa a despesa do Município em R$ 3,6 bilhões, estaria subestimada em sua previsão de despesas de caráter obrigatório na ordem de R$ 374,2 milhões.
A hipótese de subestimação das despesas de caráter obrigatório teria sido detectada após cruzamentos de dados e informações realizados pela unidade de inteligência do TCE. Pela projeção do órgão de controle, o orçamento da prefeitura ludovicense para este ano deveria prever despesas com pessoal, encargos sociais, juros, encargos da dívida e amortização da dívida na ordem de R$ 3,9 bilhões, mas a proposta orçamentária entregue na Câmara Municipal no ano passado totalizava despesas apenas em R$ 3,6 bilhões – uma diferença na ordem de R$ 374,2 milhões.
Sete meses após a denúncia do blog, a constatação veio à tona hoje com a revelação de que o orçamento “estourado” vem obrigando o chefe do executivo a abrir créditos complementares levantando ainda mais a hipótese de subestimação. Como ainda temos seis meses pela frente, o teto de gasto já está praticamente comprometido na gestão bradista, mas esse é um assunto para nossa próxima abordagem.
Além disso, vamos mostrar que ao editar os decretos de abertura de créditos suplementares, o gestor não observa os comandos legais dispostos na lei vigente, dificultando, assim, a fiscalização do emprego do dinheiro público.
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